Muito se comenta sobre o desaquecimento do mercado imobiliário, e como isso se deve à atual crise econômica. Por isso temos visto muitos casos de “ distratos ” na compra de unidades de empreendimentos imobiliários.
As estatísticas apontam o alto índice de desfazimento dos contratos preliminares de compra de unidades de empreendimentos imobiliários como uma das principais provas desta desaceleração.
Primeiramente, há de se esclarecer que existem duas principais espécies deste contrato:
(A) Promessa de Venda e Compra firmada pelo adquirente diretamente com a incorporadora;
(B) Venda e Compra firmada entre adquirente, incorporadora e um banco. Em geral, ambos são realizados por instrumento particular (e não por escritura pública, lavrada em Tabelião [Cartório] de Notas).
Na primeira espécie, (A) Promessa de Venda e Compra firmada entre adquirente e incorporadora, as partes assinam um contrato preliminar para dar início ao negócio, a ser futuramente finalizado pelo contrato chamado “definitivo” (exemplo: escritura pública). Em outras palavras, sua finalidade é anteceder a venda e compra propriamente dita.
A intensa utilização deste Contrato de Promessa se justifica, principalmente, por três motivos:
(a) permite que o adquirente pague o preço de forma parcelada para que, ao fim dos pagamentos, receba a propriedade do imóvel (por meio da escritura pública);
(b) em caso de compra de imóvel “na planta”, o imóvel ainda não existe (será construído ou está em fase de construção); e, assim sendo,
(c) possibilita que incorporadora junte os recursos necessários para realização e entrega do empreendimento imobiliário no prazo previsto.
Para os interessados em adquirir as unidades “na planta”, trata-se de oportunidade de compra de imóvel por um preço menor que a média do mercado de imóveis novos ou prontos, por considerar o fator tempo (espera da construção e entrega do imóvel, visto que a valorização normalmente ocorre após a conclusão das obras e liberação das unidades, com a expedição do Habite-se).
Para a incorporadora, este tipo de negócio representa o meio para atingir a sua finalidade principal, ou seja, é uma das formas de angariar a quantia necessária para arcar com os custos envolvidos no empreendimento (e com eventual financiamento da obra).
Percebe-se, assim, que esta modalidade possibilita que ambas as partes alcancem seus objetivos. Por conta disso, a legislação determinou que estes contratos têm caráter irretratável, ou seja, não admitem a desistência de qualquer das partes.
No entanto, este tipo de contrato tem sido alvo constante de pedido de desfazimento por parte dos adquirentes. São os popularmente chamados “distratos” (termo bastante difundido recentemente pela imprensa).
Em breve resumo, existem 4 (quatro) formas de pôr fim a um contrato sem que tenha havido seu total cumprimento ou terminado seu prazo:
Resolução: término causado por descumprimento de alguma obrigação prevista no contrato;
Rescisão: término por força de decisão judicial;
Resilição unilateral: por vontade de uma das partes, desde que assim autorizado no contrato;
Distrato: acordo entre partes para pôr fim ao contrato e às obrigações dele provenientes.
Portanto, não se trata de distrato tecnicamente falando, mas de (a) resolução contratual, caso na qual uma das partes não tenha cumprido suas obrigações; ou (b) rescisão do contrato, caso em que uma nulidade ou abusividade reste comprovada judicialmente.
Com relação à segunda espécie de contrato, (B) Venda e Compra firmada entre adquirente, incorporadora e uma instituição financeira (normalmente um banco de varejo), o negócio é concretizado no ato, pois o preço é pago integralmente pelo adquirente, com os recursos emprestados pelo banco. Como dito, é firmado entre 3 (três) partes, ou seja, incorporadora, adquirente e banco. Este contrato tem força de escritura pública, de acordo com a Lei.
Neste caso, o risco à incorporadora diminui. O adquirente paga o imóvel e, em seguida, transfere o imóvel ao banco (para garantir a dívida), ficando o adquirente apenas com a posse do imóvel. Em caso de atraso no pagamento do valor financiado, o banco notifica o adquirente. Caso este não pague no prazo legal, o imóvel vai a leilão para satisfação da dívida com o banco. Atualmente, a alienação fiduciária é a modalidade de garantia mais utilizada, pois é mais efetiva que a hipoteca.
Por conta desta diferença, este tipo de contrato não pode ser “distratado” por adquirente e incorporadora, mas pode ser resolvido por inadimplemento do adquirente no pagamento do financiamento junto ao Banco.
Assim, que fique claro que somente a primeira espécie pode ser objeto de distrato, isto é, a desistência do negócio por acordo entre as partes.
Vale lembrar que é possível (e até comum) a combinação das duas espécies acima, ou seja, a celebração da Promessa de Venda e Compra somente entre o adquirente e a incorporadora e, após, a concretização do negócio com a assinatura do Contrato de Venda e Compra com o banco.
Em momentos de crises como esta, é compreensível que a população tenha dificuldades financeiras, mas é necessário olhar para o outro lado da relação.
Se a incorporadora se tornar alvo de uma enxurrada de pedidos de resolução ou rescisão contratual e for obrigada a devolver os valores recebidos, a conclusão do empreendimento pode ser ameaçada.
Consequentemente, os adquirentes que estão em dia com suas obrigações correm o risco de não receber o imóvel. Neste ponto, adentramos uma discussão inevitável: o Poder Judiciário deve atender o interesse individual ou proteger a incorporadora (e, assim, atender o interesse comum dos adquirentes que estão quites com suas obrigações) ?
De qualquer forma, entendemos que os conflitos devem ser solucionados de forma individual. Não deve ser aceito o pedido de resolução contratual por simples arrependimento do adquirente. O compromisso (promessa) de venda e compra é irretratável e irrevogável, o que significa dizer que não cabe esse arrependimento. A alegação deve ser baseada em provas que demonstrem fato superveniente à Promessa de Venda e Compra, que seja capaz de causar incapacidade financeira do adquirente em adimplir o contrato.
Além disso, a jurisprudência pacificou o entendimento sobre a não abusividade da cláusula que determina a retenção pela incorporadora de parte do preço à título de taxa de administração. Ou seja, não é todo valor que foi pago que é devolvido ao adquirente.
Por fim, os valores pagos pelos adquirentes devem ser devolvidos em prazo razoável (preferencialmente, no prazo previsto em contrato), de forma a não causar desfalque considerável ao caixa da empresa.
Por Mauro Faustino e Guilherme Almeida