A propriedade imobiliária e o abuso desse direito.
A propriedade é a plenitude de direitos exercidos por uma pessoa sobre uma coisa. O conceito está ligado à ideia de direito fundamental da pessoa e está protegido constitucionalmente. Uma vez que seja proprietário de algo, o sujeito terá a sua posse, poderá utilizá-lo (uso e gozo) e reivindicá-lo (se estiver em mãos de outra pessoa).
O proprietário deverá exercer sobre seu bem imóvel da forma que melhor atenda ao bem-estar social, sem que isso venha negar seu domínio, afastando imposição de Estado na forma de gerir bem do particular. O exercício do domínio sobre a propriedade deve ser um instrumento de cooperação social e pública.
O direito de propriedade não é absoluto. Pois há limitações da própria natureza do direito, com a finalidade de impedir abusos, e impedir que o exercício deste gere prejuízos a sociedade. Portanto, o seu titular somente pode usá-lo se respeitar as limitações impostas pelo interesse público (que tem supremacia sobre o interesse individual) e pelo direito de outros titulares. Neste sentido a ordem jurídica está para criar leis que mantenham o equilíbrio entre a propriedade privada e o Estado ou social, fazendo desta relação a mais harmônica possível.
Assim, o direito de propriedade deve possuir a chamada função social, esta que surge da noção de que o homem deve esforçar-se para contribuir com o bem da coletividade, garantindo que todo proprietário obedeça ao exercício desta.
Estes limites podem servir de fundamento jurídico para definir o abuso do direito à propriedade.
Em sentido amplo o abuso do direito é o exercício do direito com a intenção de causar danos a terceiros. São seus requisitos: conduta humana, existência de um direito de um sujeito, exercício desse direito de forma culposa, dano para terceiros, ofensa aos bons costumes e à boa fé ou prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo.
O abuso de direito não é ir contra a lei. Ao contrário, é usá-la como base para extrapolar os limites jurídicos de um direito próprio. Logo, o abuso de direito se encontra na distância criada entre o direito e a sua natureza com a intenção, unicamente, de causar dano e ir contra a boa-fé para conseguir vantagem sobre o outro.
Relacionando os dois conceitos, pode-se dizer que o abuso de direito à propriedade flutua sobre a subjetividade, causada pela falta de limite que existe sobre tudo aquilo que é um bem privado.
Este tema parece ser um tanto quanto abstrato, mas quando o relacionamos com o tema da propriedade privada, colocando em primeiro plano o bem imóvel, a compreensão se torna mais fácil.
Um exemplo, e talvez o primeiro de que se tem conhecimento, a discutir a teoria do abuso de Direito foi na França, no início do século XX, o caso Clement Bayard, onde um indivíduo estava interessado em adquirir o terreno de seu vizinho, que era construtor de dirigíveis. Para forçá-lo a vender o terreno, o indivíduo colocou enormes estacas de madeira com pontas afiadas de ferro em seu quintal, o que proporcionava um alto risco para as aeronaves que ali passavam.
E quantos mais exemplos são possíveis ser citados nos dias de hoje, ainda mais no segmento imobiliário, como alguns vizinhos que se utilizam da emulação, o uso do direito (de forma culposa) com a única finalidade de causar prejuízo, para adquirir um imóvel, a perturbação de um vizinho com o outro causada por uma desavença e assim tantos outros.
Um caso não muito divulgado, mas comum no meio das incorporações, é de a empresa promover festas e churrascos em seus terrenos, para assim incomodar a vizinhança e em atos contínuos forçar a compra de suas residências.
É evidente que o desenvolvimento urbano exigirá cada vez mais atenção dos legisladores e juízes, especialmente para criar e aplicar leis que tratem dos limites de uso dos bens privados. Além disso, devem faze-los de forma a enquadrar ao direito de propriedade com a boa utilização dela, com a finalidade de reduzir os embates sociais.
Em outras palavras bem mais simplórias: não se pode nunca “usar e abusar” do direito.